terça-feira, 3 de julho de 2007

O ridículo mata

"Houve sempre quem não gostasse do humor. Quem leu ‘O Nome da Rosa’, de Umberto Eco, sabe, até, que rir foi coisa subversiva, capaz de mandar o risonho para as profundas do Inferno.
E havia a Inquisição para os que tinham no riso o espanto dos males, e as polícias várias que perseguiam, sempre sem êxito, os que gozavam, mofavam, faziam troça, e assim – digamos – minavam a natural seriedade dos grandes actos, ideias e proclamações.
Esses tempos não passaram. Depois da anedota de Charrua, temos o caso da fotocópia jocosa que a directora do Centro de Saúde de Vieira do Minho não reprimiu a tempo. Fotocópia dissoluta e sem moral onde – por baixo de uma declaração de Sua Excelência o Seríssimo e Doutíssimo Ministro da Saúde – médico imoral, subversivo e comunista (ao que consta) colocou dichote infame e capaz de levar à perdição as almas simples do Minho e do todo português.
Depois da demissão, que se seguiu à já costumeira denúncia, veio o substituto, sisudíssimo socialista com pergaminhos de vereador na Câmara de Ponte da Barca e incapaz de uma graçola que possa afectar o bom nome, a moral, a grandeza e o sentido de Estado do Ministério e de todos os seus pares, d’Aquém e d’Além-Mar.
É extraordinário!
Como pode o Partido Socialista esquecer o que levou, em grande parte, à sua formação? Como pode não saber que a democracia e a liberdade se medem essencialmente pelos direitos e garantias que se dá às oposições, aos cidadãos individualmente, incluindo aos que têm o humor de colocar uma fotocópia ou o mau feitio de insultar o primeiro-ministro. É uma vergonha para qualquer partido, mas é uma dupla ou tripla vergonha para o partido que foi fundado por Mário Soares e por outros como ele.
É, além disso, uma fraqueza política exasperante. O sinal mais forte da insegurança e a patetice táctica no seu esplendor.
Ao agir assim, o Governo sublinha o seu poder, mas perde a sua autoridade. Quem vai crer que este é um Governo preocupado com as liberdades fundamentais? Quem vai crer que este é o Governo que – como garante o ministro Santos Silva e o primeiro-ministro – jamais perseguirá alguém?
A situação está a tornar-se ridícula. E o ridículo, como todos sabem, mata."
Texto retirado do Expresso on-line