segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Lei do tabaco – uma leia amaricada

Desculpem lá, mas as coisas devem ser chamadas pelos nomes. Desde o princípio do ano que não se fala de outra coisa a não ser da lei antitabágica. E escrevo com a tranquilidade dos estúpidos : sou fumador. Inveterado, diria mesmo, empedernido. Várias vezes impelido a acabar com o vício para sempre, várias vezes reincidente. Meia dúzia de dias passados sobre o radicalismo legal, estou satisfeito. Diminui as doses. Portanto, concordo com a lei. Vulgarmente discordo, mas desta vez julgo que é uma boa medida. Tem apenas um pequeno problema. É excessivamente portuguesa. Quando nos dá para reformar ou é o oito ou o oitenta. E agora fomos até ao oitenta. Até os técnicos perderam a vergonha e dizem as maiores barbaridades em nome de um conhecimento científico falso. Morremos todos por causa do tabaco! Os fumadores morrem e morrem os não fumadores. Não é preciso ciência para se saber esta verdade incontornável. Morremos todos. Em dia e hora que desconhecemos, acrescenta o Génesis.Mas a campanha pela nova lei ganhou este laivo de mariquice beata. O pior dos flagelos, o maior dos males, o mais temido dos inimigos. Eis o cigarro!, a mais temível arma da al-Qaeda. As gorduras, os açúcares que antigamente – isto é, há um ou dois anos – estavam na causa de quase todas as mortes, dos enfartes, dos AVC, dos diabetes e outras doenças correlativas, não são nada, mesmo nada!, comparados com esse horror, filho do Demónio, que é o cigarro.A ciência e a baboseira ao serviço da insensatez. Por isso, não espanta que seja proibido fumar em discotecas. As mesmas onde se comercializa cocaína, drogas sintéticas, álcool aos quilolitros. Já Salazar dizia que beber vinho era dar pão a um milhão de portugueses. Ontem fui apanhado numa garagem com forte movimento de carros. O ambiente pestilento dos escapes dos automóveis. Mas era proibido fumar! Comi um frango, que deve ter ganho corpo à custa de hormonas em menos de um mês, e devo ter jantado num fast-food onde, legalmente, me serviram 50% de gordura e mais 50% de açúcar. Mas era proibido fumar!Não importa. Temos a lei que nos protege de não morrer. A imortalidade está aí, ao alcance da mão. Quem não fumar está salvo. Só os pecadores vão desta para melhor. E seguramente para o inferno.Regressámos ao tempo em que fumar uma ganza dava direito a um ano de prisão. Ao fundamentalismo. À falta de bom senso. E esta bizarria, que o coro dos falsos moralistas aplaude, retira credibilidade a uma lei que podia ser equilibrada. No meio deste cinismo puritano, vem-me à cabeça a ironia inteligente de Sophia de Mello Breyner que reconhecia que as pessoas sensíveis adoram canja de galinha, mas são incapazes de ver matar uma galinha. Já agora, que entrámos nesta alarvidade persecutória, por que não determinar o mais fácil? Exterminar as tabaqueiras. Um Governo tão corajoso para perseguir fumadores não será capaz de meter essa lança em África?! Extermine-se as tabaqueiras. Temos a imortalidade assegurada!

Francisco Moita Flores, Professor universitário